quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Suzana Flag


“Maria Helena, pelo que dava a entender, achava um fenômeno uma moça que não tivesse sido beijada antes do atual namorado. Caí na asneira de expor meu ponto de vista a respeito:

-Acho beijo uma coisa muito séria. Disse isso com uma gravidade, um tom definitivo que, ainda hoje, me faz corar de vergonha.
Elas me olharam de alto a baixo:

-Séria por quê?
–Tão natural!
Noêmia deu-me conselhos:

-Seja mais moderna!

–Que é que tem de mais o beijo?

Engasguei, sem ter o que dizer. Afinal, a minha concepção de amor era tão diferente! Como dizer àquelas duas, explicar o que eu achava? Elas não compreenderiam nunca que um homem e uma mulher que se amam se julgam Adão e Eva, se supõem os criadores da família humana. Elas jamais veriam o amor assim, absoluto, exclusivo, cheio de eternidade. Noêmia teve uma confissão espontânea:

-Pois eu, minha filha, se fosse contar os beijos que já me deram! Seria verdade aquilo ou brincadeira? Subitamente, sentia-me inferior diante daquela moça que possuía uma experiência amorosa, conhecimento de carícias com que eu nem sonhava. Maria Helena, também. Esta foi mais longe:

-A coisa mais comum é uma moça ter vários namorados, ao mesmo tempo. A gente pode ter namorado e flertar com outros.

–Mas isso é traição! –teimei, na minha inocência obstinada.
–Que o quê!

–Traição coisa nenhuma! Você parece criança!
Usei o argumento desesperado:

-O meu caso com Jorge, por exemplo. Se eu tiver outros namorados, além dele – está certo? Ou não está?
As duas me olharam, com surpresa. Evidentemente não esperavam por esta pergunta, ficaram sem jeito e se entreolharam. Noemia falou:

-Bem, aí seria diferente.
–Como diferente?

–Porque você e Jorge vão se casar, já há um compromisso, é outra coisa. Isso muda a situação. Agora, se fosse um simples namoro, você teria o direito de flertar, claro. Por que não? Antigamente é que a moça não podia fazer isso, aquilo, tudo ficava feio. Minha mãe contava –imagine- que, no seu tempo, a mulher não podia nem cruzar as pernas em público. Todo o mundo dizia logo que ela era assanhada e coisas parecidas. Tudo mudou!”
(Flag, 2003, p.91-92)

Suzana Flag & Nelson Rodrigues

Muita gente conhece e reconhece Nelson Rodrigues como um escritor de grande fôlego e importância dentro do panorama do moderno teatro brasileiro. Mas poucos têm notícia de Susana Flag, um pseudônimo adotado por Nelson em quatro romances que circularam, sob a forma de folhetim, entre os anos de 1944 a 1947. Talvez por essa razão, a iniciativa da Editora Nova Fronteira de publicar "Meu Destino é Pecar" tenha suscitado nos leitores uma curiosidade só saciada quando se chega ao final de 587 páginas dessa primeira aventura...

Fonte Texto: http://pt.scribd.com/doc/2894789/Suzana-Flag-pseudonimo-de-Nelson-Rodrigues
Fonte Biografia: http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/criticaslitera_det.php?Id=4