“Maria Helena,
pelo que dava a entender, achava um fenômeno uma moça que não tivesse sido beijada antes do atual namorado. Caí na asneira de expor meu ponto de vista a respeito:
-Acho beijo
uma coisa muito séria. Disse isso com uma gravidade,
um tom definitivo que, ainda hoje, me faz corar de vergonha.
Elas me olharam de alto a baixo:
-Séria por quê?
–Tão natural!
Noêmia deu-me
conselhos:
-Seja mais
moderna!
–Que é que tem
de mais o beijo?
Engasguei, sem
ter o que dizer. Afinal, a minha concepção de amor era tão diferente! Como dizer àquelas duas, explicar o que eu achava? Elas não
compreenderiam nunca que um homem e uma mulher que se amam se
julgam Adão e Eva, se supõem os criadores da família humana. Elas jamais veriam o amor assim, absoluto, exclusivo, cheio
de eternidade. Noêmia teve uma confissão espontânea:
-Pois eu,
minha filha, se fosse contar os beijos que já me deram! Seria verdade aquilo ou
brincadeira? Subitamente, sentia-me inferior diante daquela moça que possuía uma experiência amorosa, conhecimento de carícias
com que eu nem sonhava. Maria Helena, também. Esta foi mais longe:
-A coisa mais
comum é uma moça ter vários namorados, ao mesmo tempo. A gente pode ter namorado e
flertar com outros.
–Mas isso é
traição! –teimei, na minha inocência obstinada.
–Que o quê!
–Traição coisa
nenhuma! Você parece criança!
Usei o
argumento desesperado:
-O meu caso
com Jorge, por exemplo. Se eu tiver outros namorados, além dele – está certo? Ou não está?
As duas me
olharam, com surpresa. Evidentemente não esperavam por esta pergunta, ficaram sem jeito e se
entreolharam. Noemia falou:
-Bem, aí seria
diferente.
–Como
diferente?
–Porque você e
Jorge vão se casar, já há um compromisso, é outra coisa. Isso muda a situação. Agora, se
fosse um simples namoro, você teria o direito de flertar, claro. Por que não?
Antigamente é que a moça não podia fazer
isso, aquilo, tudo ficava feio. Minha mãe contava –imagine- que, no seu tempo, a mulher não podia nem cruzar as pernas em público. Todo o mundo dizia logo que ela era assanhada e coisas parecidas. Tudo mudou!”
(Flag, 2003, p.91-92)
Suzana Flag & Nelson Rodrigues
Muita gente conhece e reconhece Nelson Rodrigues como um escritor de grande fôlego e importância dentro do panorama do moderno teatro brasileiro. Mas poucos têm notícia de Susana Flag, um pseudônimo adotado por Nelson em quatro romances que circularam, sob a forma de folhetim, entre os anos de 1944 a 1947. Talvez por essa razão, a iniciativa da Editora Nova Fronteira de publicar "Meu Destino é Pecar" tenha suscitado nos leitores uma curiosidade só saciada quando se chega ao final de 587 páginas dessa primeira aventura...
Fonte Texto: http://pt.scribd.com/doc/2894789/Suzana-Flag-pseudonimo-de-Nelson-Rodrigues
Fonte Biografia: http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/criticaslitera_det.php?Id=4
Fonte Biografia: http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/criticaslitera_det.php?Id=4
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