sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago

OS POEMAS POSSÍVEIS
ESPAÇO CURVO E FINITO

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.

José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Remetente: Alicia - alicevilafabiao@mail.telepac.pt

O Mundo perde um dos seus maiores escritores: Português, Nobel da Literatura, Saramago foi inovador constante em sua forma de escrever, de vislumbrar o homem, seus atos, sua vida.
Tive o prazer de participar da cerimônia em que ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFSC em 1999.
Hoje ficamos, ainda, mais carentes de conhecimento, de arte, de palavras...
Estella Parisotto Lucas
 
 
São Paulo, junho de 2010 – Nesta sexta-feira, 18 de junho, o mundo se despede de um dos maiores gênios da literatura. Aos 87 anos, o escritor português José Saramago - primeiro Prêmio Nobel português, em 1998 - faleceu em sua casa nas Ilhas Canárias, na Espanha.

Nascido em 1922, Saramago foi responsável por tornar a prosa portuguesa reconhecida internacionalmente. Ao todo, ele tem 36 livros publicados desde 1947. Em mais de 60 anos de carreira, foram 20 romances, três poemas, quatro crônicas, três contos, um relato de viagem e cinco peças de teatro; incluindo vários best-sellers.
Entre os romances, um dos mais populares é Ensaio Sobre a Cegueira, de 1995. Traduzido para diversas línguas, foi adaptado para o cinema, em 2008, por Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. A obra traz uma intensa crítica aos valores da sociedade.
A oposição ao catolicismo não é de hoje. A relação de tensão entre Saramago e a Igreja Católica começou após a publicação do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991. A adaptação da obra para o teatro, em 2001, foi alvo de muitas críticas por parte de grupos religiosos contrários à visão do intelectual.

Em contrapartida, Saramago nunca temeu em expressar livremente seu pensamento. Em passagem por Roma, Itália, em outubro de 2009, o escritor chamou o atual Papa, Bento XVI, de "cínico", afirmando que o único modo de combater a "insolência reacionária" da Igreja Católica é utilizando a "insolência da inteligência viva", dos intelectuais.
Saramago acreditava que, como o Fascismo, a Igreja não se importa com o destino das almas, mas sim com o controle de seus corpos. “Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só têm interesse no poder”, disse em uma de suas declarações.
Além das polêmicas e constantes oposições religiosas, o escritor manteve, durante toda sua carreira, um forte envolvimento com a política internacional e os direitos humanos. Em janeiro deste ano, por exemplo, relançou o livro A Jangada de Pedra, revertendo toda a sua renda para as vítimas do terremoto no Haiti.
Apesar de ser constantemente criticado por sua visão religiosa e política, José Saramago deixou um legado indiscutível. E essa trajetória, definitivamente, não se resume aos prêmios ou denominações que ganhou durante a carreira. Escritor, jornalista, dramaturgo, contista, romancista, argumentista, poeta, não importa. Saramago já se fez eterno através de sua obra. (MSN CULTURA)

Obra
Saramago é conhecido por utilizar frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional. Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros: este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto do leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento. Muitas das suas frases (i.e. orações) ocupam mais de uma página, usando vírgulas onde a maioria dos escritores usaria pontos finais. Da mesma forma, muitos dos seus parágrafos ocupariam capítulos inteiros de outros autores. Apesar disso o seu estilo não torna a leitura mais difícil, se os seus leitores se habituarem facilmente ao seu ritmo próprio.

Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea: é considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom, no seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds ("Génio: Um Mosaico de Cem Exemplares Mentes Criativas"), considerou José Saramago "o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje" (tradução livre de the most gifted novelist alive in the world today), referindo-se a ele como "o Mestre". Declarou ainda que Saramago é "um dos últimos titãs de um género literário que se está a desvanecer". (WIKIPÉDIA)

Fonte - Poesia: http://www.revista.agulha.nom.br/1saramago.html#espaco
Fonte - Dados Biográficos: http://msn.onne.com.br/cultura/materia/13681/jos-saramago
                                                 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Machado de Assis

DOM CASMURRO
CAPÍTULO XLIII - VOCÊ TEM MEDO?

De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntoume se tinha medo.
— Medo?
— Sim, pergunto se você tem medo.
— Medo de quê?
— Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar...
Não entendi. Se ela tem dito simplesmente: "Vamos embora!" pode ser que eu obedecesse ou não; em todo caso, entenderia. Mas aquela pergunta assim, vaga e solta, não pude atinar o que era.
— Mas... não entendo. De apanhar?
— Sim.
— Apanhar de quem? Quem é que me dá pancada?
Capitu fez um gesto de impaciência. Os olhos de ressaca não se mexiam e pareciam crescer. Sem saber de mim, e, não querendo interrogá-la novamente, entrei a cogitar donde me viriam pancadas, e por que, e também por que é que seria preso, e quem é que me havia de prender. Valha-me Deus! vi de imaginação o aljube, uma casa escura e infecta. Também vi a presiganga, o quartel dos Barbonos e a Casa de Correção. Todas essas belas instituições sociais me envolviam no seu mistério, sem que os olhos de ressaca de Capitu deixassem de crescer para mim, a tal ponto que as fizeram esquecer de todo. O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e dar-lhes o movimento do costume. Capitu tornou ao que era, disse-me que estava brincando, não precisava afligir-me, e, com um gesto cheio de graça, bateu-me na cara, sorrindo, e disse:
— Medroso!
— Eu? Mas...
— Não é nada, Bentinho. Pois quem é que há de dar pancada ao prender você? Desculpe, que eu hoje estou meia maluca; quero brincar, e...
— Não, Capitu; você não está brincando; nesta ocasião, nenhum de nós tem vontade de brincar.
— Tem razão, foi só maluquice; até logo.
— Como até logo?
— Está-me voltando a dor de cabeça; vou botar uma rodela de limão nas fontes.
Fez o que disse, e atou o lenço outra vez na testa. Em seguida, acompanhou-me ao quintal para se despedir de mim; mas, ainda aí nos detivemos por alguns minutos, sentados sobre a borda do poço. Ventava, o céu estava coberto. Capitu falou novamente da nossa separação, como de um fato certo e definitivo, por mais
que eu, receoso disso mesmo, buscasse agora razões para animá-la. Capitu, quando não falava, riscava no chão, com um pedaço de taquara, narizes e perfis.
Desde que se metera a desenhar, era uma das suas diversões; tudo lhe servia de papel e lápis. Como me lembrassem os nossos nomes abertos por ela no muro, quis fazer o mesmo no chão, e pedi-lhe a taquara. Não me ouviu ou não me atendeu.

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Foi romancista, dramaturgo, contista, jornalista, cronista e teatrólogo brasileiro, considerado como o maior nome da literatura brasileira e um dos maiores escritores do mundo.
No dia 20 de julho de 1897 com iniciativa de Lúcio de Mendonça, fundou a Academia Brasileira de Letras.

Fonte - Trecho de Dom Casmurro: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/romance/marm08.pdf
Texto de referência: Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

Fonte - Dados Biográficos:http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis

terça-feira, 1 de junho de 2010

Miguel Falabella

SAUDADE

Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua,
dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor,
Ou quando alguém ou algo não deixa que esse amor siga,
Ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania
de estar sempre ocupada;
se ele tem assistido às aulas de inglês,
se aprendeu a entrar na Internet
e encontrar a página do Diário Oficial;
se ela aprendeu a estacionar entre dois carros;
se ele continua preferindo Malzebier;
se ela continua preferindo suco;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ele continua cantando tão bem;
se ela continua detestando o MC Donald's;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer;
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você,
provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

Miguel Falabella

Miguel Falabella de Sousa Aguiar nasceu no Rio de Janeiro no dia 10 de outubro de 1956. É ator, dramaturgo, diretor, cineasta, escritor e apresentador de televisão. Miguel é um artista multimídia e considera-se um "worklover".
   
Fonte - Texto: http://www.pensador.info/saudade_miguel_falabella/
Fonte - Dados Biográficos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Falabella

Site oficial de Miguel Falabella: http://www.miguelfalabella.com.br/

Rachel de Queiroz

A VELHA AMIGA

Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudade de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro.
Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim presença atual.
Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.
A vida é uma coisa que tem de passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.
Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou expirimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude...

(Crônica publicada no jornal "O Estado de São Paulo" - 13/01/2001)

Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz foi romancista e cronista brasileira. Nasceu em Fortaleza, Ceará, e residiu na cidade do Rio de Janeiro. No início da década de 1970, a Academia Brasileira de Letras modificou seus estatutos para receber Rachel de Queiroz, primeira acadêmica mulher do Brasil. Faleceu em 04 de novembro de 2003.

Fonte - Trecho da Crônica e Dados Biográficos: http://www.vidaempoesia.com.br/racheldequeiroz.htm